terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A revolta do vintém, as vozes de junho e os professores do Paraná

Nesse fim de semana terminei de ler uma obra que conta a história de D. Pedro II. Virei fã do sujeito, que logo merecerá um post só para ele.

Durante a leitura me chamou atenção o episódio da revolta do vintém, ocorrida na virada de 1879-1880, quando estava programado um aumento de 20 réis - um vintém - na passagem de bonde no Rio de Janeiro (lembra alguma coisa?!).

[vejam aqui os "dinheiros" que já circularam pelo Brasil]

Assim como hoje, a questão não era "só pelos 20 centavos", como conta José Murilo de Carvalho:

"O aumento devia ter início no dia 1º de janeiro de 1880. No dia 28 de dezembro, uma multidão reuniu-se no Campo de São Cristóvão. Insuflada pelos líderes republicanos Lopes Trovão e José do Patrocínio, a massa dirigiu-se ao palácio para entregar ao imperador uma petição solicitando a revogação da lei. A polícia não permitiu acesso ao palácio. O monarca mandou, então, mensagem a Lopes Trovão dizendo que receberia uma delegação dos manifestantes. Foi a vez de o republicano recusar a oferta, buscando explorar o mais possível a reação negativa ao comportamento da polícia. Preferiu publicar um manifesto, que dizia conter 7 mil assinaturas, solicitando a d. Pedro a revogação da Lei.


No dia 1º, cerca de 4 mil pessoas se concentraram no largo do Paço, onde foram incitadas a não pagar o imposto, e depois se dirigiram para o largo de São Francisco. No meio do caminho, a multidão começou a quebrar bondes, agredir motoristas e destruir os trilhos da Rua Uruguaiana. Às cinco horas da tarde, chegaram ao largo dois pelotões do Exército, que ocuparam a frente da Escola Politécnica. O comandante da tropa, ten-cor. Antônio Eneias Gustavo Galvão, futuro barão do Rio Apa, atingido por uma pedra, deu ordem de fogo, resultando do tiroteio alguns mortos e uns quinze feridos. Mais trilhos foram arrancados em outras partes da cidade. Os distúrbios repetiram-se até o dia 4 de janeiro. A lei do vintém foi revogada." (D. Pedro II. 1. ed. Cia das Letras, 2007. p. 177.)
Reparem que existem sempre interesses escusos por trás. Possivelmente havia razão na reivindicação popular, mas teria ela prosperado sem os agitadores republicanos? Teria ou não sido revogada a lei se aceitassem dialogar antes de quebrar tudo? (particularmente creio que D. Pedro resolveria por meios pacíficos)

Pela leitura do livro somada ao que lembro das aulas de história, o império brasileiro caiu pela perda do apoio dos militares, da igreja e da elite. Havia ainda certo apoio popular à monarquia que abolira a escravidão, mas a população era massa de manobra e foi facilmente convencida de que república era boa coisa.

Fazendo um corte, passo às manifestações de junho de 2013, que povoaram os discursos dos políticos nas últimas eleições, assim como os discursos de quem quer que defenda algo nesse país. As "vozes de junho" hoje pode-se dizer que queriam de tudo e acabaram não querendo nada específico - trouxeram, contudo alguns acontecimentos interessantes.

Se bem recordo, no início do movimento a mídia não o dava muito destaque..deviam ser aqueles estudantes baderneiros, não vamos dar espaço. Ocorre que as proporções foram aumentando a ponto de todos irem para a rua e mesmo os motoristas parados no trânsito interrompido por passeatas as verem com contentamento.

A mídia virou, o governo virou, o jogo virou - e os jogadores passaram a pensar em como lidar com aquilo. Mas não podia mais ser escondido.

Tais manifestações me lembram uma carta de um jogo que jogo com alguns amigos uma ou duas vezes por ano. A carta mostra um gigante poderoso - é melhor do que todas as outras cartas, é difícil de colocar em jogo, mas só dura por uma rodada.

A rodada passou, deixou algum legado, mas passou. Não seria melhor se aquilo continuasse com organização? Se o povo de alguma forma tivesse reivindicações bem articuladas, com inteligência e força? Pois é aí que entram os professores do Paraná.

O Brasil é uma federação, ou seja, cada estado possui certa autonomia financeira no que toca à remuneração dos servidores.
O Paraná é um estado
Os professores estaduais são servidores

Agora no início do ano, o Governo Beto Richa propôs um pacote de medidas prejudiciais à carreira dos professores - nas palavras destes "acabando com os direitos conquistados a duras penas nos últimos anos".

Não entrarei nos detalhes das medidas do pacote apelidado de "tratoraço", mas pude analisar a questão e me convenci de que as reivindicações são legítimas, bem articuladas e assimiladas pelo movimento. Imaginem o Paraná como um pequeno país e vejam o que os professores fizeram nos últimos dias (10/02/15) na Assembleia Legislativa (ALEP), que equivaleria ao congresso nacional:



E em ocupando a Assembleia Legislativa:


Não convencidos pelo movimento formado, os deputados, ante o fato de que os professores ocuparam todos os portões de acesso chegaram a cerrar certo ponto das grades, entrar por um acesso alternativo na assembleia - alguns de camburão - para votar o pacote de medidas em outra sala. Destaque-se que o plenário estava inutilizado após a primeira ocupação.

Sabendo disso os professores novamente invadiram e conseguiram adiar a sessão para segunda que vem:

Vejam que estamos no meio do caminho, a mídia está começando a virar, tudo depende dos próximos capítulos - se o movimento arrefece e o "pacotaço" passa, vão abafar, mas se os professores vencerem gerando novas comoções populares, ocorrerá no Paraná o que ocorreu no Brasil em junho de 2013. Saquem só esse mural:


Dessa vez com um movimento melhor articulado. Com adesão popular crescente, o governador ficando encurralado e dando uma ou outra declaração infeliz a qualificar os manifestantes (em sua maioria professores com formação superior) como baderneiros.

O interessante é a pouca atenção dada para tudo isso no resto do país..talvez tenham medo que como num rastilho de pólvora grupos de outros locais sigam os passos dos professores do Paraná. Isso lembra Jogos Vorazes, lembra 1984, lembra vagamente os tempos da ditadura - mas não o império..jamais houve tanta liberdade de imprensa nesse país como nos tempos de D. Pedro II.
"Diplomatas europeus e outros observadores estranhavam a liberdade dos jornais brasileiros. Schreiner, ministro da Áustria, afirmou que o imperador era atacado pessoalmente  na imprensa de modo que 'causaria ao autor de tais artigos, em toda a Europa, e até mesmo na Inglaterra, onde se tolera uma dose bastante forte de liberdade, um processo de alta traição'." (id. p. 86) 

Quanto ao Paraná, aguardemos as cenas dos próximos capítulos...
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