Pode até parecer estranho um post com esse nome, como se talvez fosse algo simplista ou cômico; nesse caso posso dizer que é uma metáfora que encontrei para descrever a ideia a qual me veio nesses últimos dias e me vem várias vezes quando vejo um casal se separando, alguém se desfazendo de roupas, de animais de estimação ou mesmo de amigos.
Trata-se de um aspecto interessante da natureza humana, talvez uma imperfeição que possa ser lapidada ou uma espécie de Janus¹ que guarde um portal no qual se vai a uma nova viagem ou se retorna para o que antes era.
Este texto trata da incrível habilidade que têm as pessoas para, após elevarem suas vidas a um novo patamar ou mesmo conquistar o que sempre sonharam, quedarem-se infelizes e frustradas, com a sensação de que merecem ou desejam mais; como um quindim que é muito bom, dois quindins que são melhores ainda, três quindins que até passam e quatro quindins, quando o mesmo doce que causara deleite torna-se enjoativo.
A metáfora pode não ter sido a melhor, mas passa um pouco a essência do que quero dizer; para melhor ilustrar convido agora o leitor a uma viagem.
O ponto de partida é um pobre vilarejo localizado na República Democrática do Congo, antigo Zaire; este país encravado no coração do continente africano, no exato lugar onde um punhal é fincado na abertura do desenho Tarzan. (:
Nesse vilarejo uma pequena família luta pela sobrevivência, crianças que já nasceram soropositivas correm pela mata em busca de água e alimento para levarem à clareira onde atualmente suas famílias estão acampadas, não se sabe até quando. O objetivo maior da família é obter um teto seguro e a certeza de que se alimentarão no dia seguinte.
Agora, seguindo na viagem vamos a um país islâmico do oriente médio no qual ocorrem protestos e grandes embates por um governo democrático, estamos em plena primavera árabe² e um jovem com ideias revolucionárias prepara-se para sua próxima ação na esperança de algum dia a ditadura que assola seu país seja subvertida em um estado democrático de direito. Este é o seu sonho, a libertação de seu povo.
Esta viagem vai seguindo com inúmeras escalas, talvez conte sobre um operário chinês e suas quinze horas de trabalho diárias, um soldado, um vendedor, um empresário; em suma, todos temos nossas metas e a firme ilusão de que no momento em que as alcançarmos teremos algum tipo de satisfação inédita.
Talvez a viagem termine em algum país nórdico com um cidadão tornando-se um número a mais nas altas taxas de suicídios destes países por não mais ter a que aspirar.
Claro que o que aqui exponho são exemplos amplos, alguns tipos humanos que permitem a demontração de ideias e princípios desde antes de Gil Vicente³.
Mesmo aqueles que dizem contentar-se com o que têm sempre desejam uma coisinha ou outra, um avanço, é claro, muitos irão dizer, se não tivermos um objetivo, um horizonte que se renova a cada passo, não teria sentido viver.
Pois então, após uma passagem pelas aspirações das pessoas até o ápice do IDH, vemos que os objetivos comumente traçados pela humanidade não levam a um final feliz; nesses momentos me vem a famosa frase do Fausto de Goethe "de que adianta o eterno criar, se a criação em nada adiantar?".
Nos últimos dias tenho lido um ótimo livro indicado e emprestado por um professor, da autoria de Luís Felipe Pondé; o autor diz-se um filósofo trágico na linha de Nietzsche e Schopenhauer e conclui que a felicidade como é vendida e buscada atualmente é uma falácia. Ele prossegue afirmando que todos temos uma gama imensa de defeitos e desejos frutos dos sentidos, porém que mediante uma hipocrisia institucionalizada ocultamos.
Utiliza-se Freud e muitos outros para dar suporte aos escritos, entre eles uma impressionante gama de pensadores gregos. Mostra que a mitologia reflete dramas psicológicos pertinentes e atuais. O historiador pode prever o futuro, pois o homem tropeça sempre nas mesmas pedras, diria Maquiavel.
Concordo com ele de que a maioria de nós é escravo dos desejos, defeitos e confusões que se apresentam, que a humanidade vive e viverá ainda em uma condição de eterna insatisfação e consequente infelicidade geradas grande parte pelo que singelamente chemei "efeito quindim".
Ao contrário dele, porém, acredito que esse mundo de pessimismo e insatisfação tenha uma saída, ela pode ser quase invisível, mas volta e meia mostra-se; não é de fácil percurso, se o fosse, muitos mais a tomariam; acredito que as religiões em alguma medida estão certas, que montam um mesmo quebra-cabeças porém com as peças cortadas em formatos diferentes de modo a não se encaixarem.
Alguns dos mais sábios membros que esta humanidade já teve, após o nível de ser e de saber que suas religiões lhes permitiram ter, conseguiram produzir pérolas das mais valiosas de conhecimento científico cuja existência, poderia opinar, não se daria da mesma forma sem o suporte religioso por trás; um exemplo de retirada do elemento numinoso e, portanto, laicização do conhecimento vem do célebre pensador Hugo Grotius, o qual mostrou um direito que "existiria mesmo se Deus não existisse".
O caso é que acredito que o eterno criar se justifica, que o mundo é suficiente como pensou Kant e que uma vez descoberto o caminho pela via do esclarecimento (ainda como Kant) é possível segui-lo; é possível mas não obrigatório, tanto que quase ninguém o segue; o caminho à felicidade (não a efêmera tratada por Pondé) é tortuoso, é de longo prazo, condição quase proibitiva a seres imediatistas como nós; além de tudo o caminho deve passar longe dos sentidos físicos, assim como a mitologia muitas vezes desprezada, trata-se de um drama psicológico, pois não é com a construção da torre de babel divulgada pela mídia que chegar-se-á ao paraíso, talvez deva-se erguer uma torre interna que sobrepuje nossos vícios e defeitos.
Quem sabe assim fiquemos satisfeitos com o primeiro quindim.
Até a próxima!
¹ Janus; deus cuja crença remonta à antiga Roma, ele guarda o portão da cidade em possui duas faces, uma voltada para cada lado.
² Primavera Árabe; nome dado à série de revoluções contemplada recentemente no Oriente Médio.
³Gil Vicente; Escritor ibérico da alta idade média na época do trovadorismo, compunha autos representando tipos humanos e focava suas obras na supremacia da virtude.
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