quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Da primeira vez que me assassinaram..

    Saudações aos meus poucos, mas selecionados, leitores (:

    Após mais um tempo relativamente longo sem postar aqui no blog, faço um post justamente sobre as coisas que me levam cada vez mais a abandonar bons hábitos como o de escrever por aqui e outros.

    O que sinto acontecer a cada dia, vejo que não ocorre somente comigo; meus conhecidos, pessoas que vejo nas ruas, gente que vi quando na pré adolescência e reencontro agora, enfim, parece avançar sobre a pessoa a partir de certa idade uma espécie de mal generalizado.

    A cada dia o trabalho, a faculdade, a vida me cobram uma pequena parcela a mais do tempo. O que não pôde ser feito ontem fica para outro dia junto com a gigante lista de todo o "por fazer". À medida que as obrigações vão ganhando espaço e que aparecem novas, diminui a chance de dispor de um tempo para refletir.

    Sábias palavras embora ditas por um pensador radical:
    "O homem que não reflexiona, não tem tempo de julgar a si mesmo." Barão de Holbach

     Penso no que tenho feito nos últimos tempos e qual a minha surpresa quando percebo que, tivesse eu refletido um pouco mais, faria várias coisas de modo diferente, daria outras prioridades; eis uma palavra-chave: prioridade.
    Eu tinha por hábito pensar que minhas prioridades estavam em lugar muito distante do que descobri estarem; para verificar a maior prioridade no momento me faço uma simples pergunta "quantas horas de meu dia gasto nisso?"
   
    Veja que, se você dorme durante certo tempo, por exemplo, e passa o dia pensando no momento em que for dormir, aí estará a prioridade; se trabalha e estuda no mesmo ramo de modo que seus dias sejam consumidos por funções deste ramo, aí está a prioridade; se acabou de iniciar um relacionamento e pensa nele a todo momento..eis a prioridade.

    Apesar de não me utilizar frequentemente de citações bíblicas, aí vai uma que considero pontual:
   "Onde está teu tesouro, também está teu coração." (Mt 6, 19-21)

    Ocorre que por alguma razão muito incoerente, não raro as prioridades (tesouros) que temos em nossas vidas são praticamente o oposto daquelas que tencionamos ter; volta e meia percebemos que não estamos "querendo a coisa certa".
    Onde quero chegar?

    Quero dizer que pouco a pouco a vida e "o mundo" nos levam a nascer, crescer, trabalhar, se reproduzir e morrer; muitos bons hábitos que um dia tivemos, muitas possibilidades de fazermos algo diferente, realizar descobertas, são eclipsadas pelas exigências do dia a dia. Isso se dá de forma tal que nas horas de "folga" não mais temos força ou motivação para inovar.
    Passam-se alguns momentos de lazer cuja função parece ser, em alguns casos, a de garantir a maior produtividade quando da volta ao trabalho.

    De minha parte posso dizer que cultivava o hábito de escrever poemas diários, correr, escrever com as duas mãos e alguns outros. Volta e meia me vinha um insight inventivo o qual me rendeu várias ideias de invenções que facilitariam a vida das pessoas, volta e meia vinha uma sacada de um post para o blog. Agora as coisas estão mais esporádicas. Após certa reflexão, tento resgatar tudo.
    Parece que a cada dia que um bom hábito deixa de se concretizar, ficamos mais "capengas", mais senhores de uma só arte, desenvolvendo um só aspecto mais importante da vida quando deveríamos buscar sermos completos. O ser humano, e isso já era dito por Platão¹, deveria ser completo, buscar os mais variados conhecimentos.

    Para encerrar e ilustrar este post, coloco aqui alguns versos de Mario Quintana:

"Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou."

    Aconselharia que não deixassem morrer os aspectos de suas vidas que os tornam únicos, ou que cuidassem para que o mundo não os "assassine" nas não raras ocasiões em que tentar fazê-lo.

Até a próxima!


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¹ Vejam como Platão idealizou a educação



O curso de estudos, para Platão deveria ser de cinco períodos:
1º- dos 3 aos 6 anos:
Prática do pentatlo (Nome colectivo de cinco exercícios que constituíam os jogos da Grécia, em que entravam os atletas: salto, carreira, luta, pugilato e disco. Dança e música para ambos os sexos).

2º- dos 7 aos 13 anos:
Introdução paulatina da cultura intelectual e acentuação dos exercícios físicos. A partir dos 10 anos, aprendizagem da leitura e escrita e cálculo por processos práticos. Afasta-se assim dos costumes atenienses que começavam a educação intelectual antes dos 10anos.

3º- dos 13 aos 16 anos:
Período da educação musical. O programa é dividido em duas secções: uma literária, compreendendo gramática e aritmética; outra musical, compreendendo poesia e música. Ensina-se a tocar a cítara e prefere-se a música dórica, enérgica e viril.

4º- dos 17 aos 20 anos:
Período da educação militar. Os jovens deverão adquirir resistência e uma saúde a toda a prova. Será preciso harmonizar a música à ginástica, faziam-se os homens ferozes. Somente com a música, produzir-se-iam os afeminados.

5º- dos 21 anos em diante:
Apenas os jovens mais capazes devem continuar a educação já com carácter superior e baseada nas Matemáticas e Filosofia. Entre eles, seleccionam-se os futuros governantes, prosseguindo sua educação até os 50 anos.

Essa educação pode ser distribuída da seguinte forma:
· Dos 21 aos 30 anos: estuda-se com profundidade: aritmética, geometria e astronomia.
· Dos 31 aos 35 anos: predomínio da formação filosófica e dialéctica, sem prejuízo dos estudos matemáticos.
· Dos 35 aos 50 anos: O magistrado será incumbido de uma função pública e empregará os seus talentos para a prosperidade do Estado. Ninguém será admitido ao governo, antes dos 50 anos de idade.

    "Na República e nas Leis, para além de desenhar o seu estado ideal, Platão  também define o sistema educacional que o manterá, apresentando assim as suas ideias sobre a educação, o valor da poesia e da música, a utilidade das ciências, da filosofia e do filósofo.
    Platão começa por defender uma sólida formação básica que evolui até elevados estudos filosóficos, considerando que só indivíduos especialmente dotados poderiam chegar à filosofia." Olga Pombo, Universidade de Lisboa

    Inferi ali de cima que "magistrado" significa "graduado". Fora isso gostaria de ressaltar o quanto nosso sistema de ensino é parecido com o idealizado por Platão; coincidência?
    É interessante ressaltar que a própria sigla Ph.D significa Philosophy Doctor, que em sua origem tem a concepção deveras acertada de que, mesmo após estudar certa ciência a fundo, para ser um profissional completo, dever-se-ia estudar filosofia.

     
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